Ferramentas de gestão de bancos de dados e robôs ajudam setor tradicional a criar novos serviços e reduzir burocracias.
Escritórios novatos e até as mais tradicionais bancas de Direito no
País começaram a buscar ferramentas de inteligência artificial e análise
de dados para não serem vistos como “commodity”. Com sete décadas de
existência, o escritório Peixoto & Cury criou uma incubadora com
programadores, engenheiros e, claro, advogados, para desenvolver
projetos que possam ser utilizados tanto internamente quanto em serviços
prestados aos clientes.
Uma das criações é um software em que cada contrato feito pela
empresa com um novo fornecedor deve ser validado. As regras de
compliance são estabelecidas pelos advogados do escritório que ensinam o
sistema a ler as informações e a aprová-las. O programa avalia até 16
mil documentos por mês, trabalho que exigiria cinco ou seis advogados
com jornada de oito horas, em dedicação exclusiva. “Ainda protege o
cliente de riscos e os advogados têm mais tempo para trabalho
intelectual”, avalia Marcel Alves, que deu o pontapé inicial ao banco de
dados do escritório, há quinze anos.
Foco. Uso inteligente de dados poupa advogados
do escritório Peixoto e Cury de realizarem trabalho burocrático, dizem
Martins e Alves, da banca
“Hoje conseguimos produzir também relatórios inteligentes. A
máquina pega os dados e os organiza a partir de filtros. Para o cliente,
não basta mais ser apenas bem defendido. A informação gerada por cada
processo tem ainda mais valor”, diz José Ricardo de Bastos Martins, um
dos sócios do Peixoto & Cury.
Também dono de uma equipe de inovação, o escritório
TozziniFreire está em fase de testes com um software de inteligência
artificial para analisar documentos. Mesma estratégia foi adotada pelo
Urbano Vitalino Advogados, de Recife (PE). Há dez meses, o escritório de
80 anos utiliza a robô Carol para automatizar atividades repetitivas,
como o preenchimento de informações de trâmites internos. Personalizada
sobre a plataforma Watson, da IBM, ela consegue, segundo o escritório,
índice de 95% de acerto, contra 75% de acerto humano.
A proporção de advogados por habitantes no Brasil é alta –
para cada profissional, há 209 habitantes; nos EUA essa relação é de 1
para 246 pessoas. No entanto, a demanda por automação de algumas
atividades é crescente. Uma pesquisa da consultoria Thomson Reuters
estima que 48% do tempo dos advogados poderia ser gasto com atividades
faturáveis, mas é consumido por tarefas burocráticas, como administração
do escritório, preenchimento de dados ou envio de contas. Além disso,
um quarto da rotina do profissional pode ser automatizada.
Roland Vogl, diretor executivo do CodeX, centro de inovação da
Faculdade de Direito da Universidade de Stanford, no Vale do Silício,
conta que programação e aprendizado de máquina já são realidade nos
escritórios dos EUA. “A habilidade permite prever riscos aos clientes,
reduz custos e torna os profissionais melhores, mais produtivos e
eficientes”.
Há um mês, o Future Law Innovation Center (FLIC), centro de
inovação similar ao de Stanford, foi inaugurado em São Paulo. O espaço
receberá cursos, maratonas de desenvolvimento e palestras sobre o uso de
tecnologia no tradicional mundo do Direito. “O advogado deve saber não
apenas o que a tecnologia pode fazer, mas o que ele pode fazer com ela”,
disse Kevin Ashley, professor de Direito da Universidade de Pittsburgh,
no primeiro evento do FLIC.
O uso da máquina no processamento de dados, no entanto, não é
consenso. Em julho, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estabeleceu um
grupo de debate sobre inteligência artificial no Direito. O presidente
da OAB, Claudio Lamachia, sinalizou que, embora o desenvolvimento
tecnológico seja inexorável, é preciso estabelecer regulamentação. “Não
vamos tolerar oportunistas que querem colocar a advocacia num papel
marginal e subalterno através da massificação desordenada e desregrada
dessas ferramentas.”
Judiciário. Mas a gestão de dados e o uso de
inteligência artificial não se restringe à esfera privada do Direito.
Desde agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou o reforço do
Victor, robô desenvolvido com a Universidade de Brasília para agilizar a
avaliação judicial dos processos. A ferramenta é capaz de converter
imagens em textos, separar e classificar as peças processuais e
identificar por temas de repercussão geral. A atividade que antes era
feita em média 30 minutos, agora leva cinco segundos.
No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça (TJ-RJ) também
realizou testes, em julho, com inteligência artificial. Em apenas três
dias, a 12.ª Vara de Fazenda Pública conseguiu bloquear bens de
devedores de tributos municipais em 6.619 mil execuções, com arrecadação
de R$ 32 milhões. Normalmente, esse trabalho é feito em mais de dois
anos. “A rapidez da penhora por esse sistema ajuda a promover a educação
fiscal do contribuinte, que tenderá a pagar antes de ter os bens
bloqueados”, analisa o juiz auxiliar da presidência do TJ-RJ, Fábio
Porto.
E mesmo sem robôs o Tribunal Federal de São Paulo também
contabiliza cifras positivas apenas com a organização e a gestão dos
dados produzidos. Em 2018, por exemplo, os recursos economizados por
esse mapeamento foram utilizados para que o tribunal adquirisse um novo
imóvel e deixasse de pagar aluguel no interior de São Paulo. “É uma
iniciativa importantíssima, porque tivemos redução de orçamento e do
quadro dos servidores”, avalia a juíza federal Luciana Ortiz Zanoni,
diretora do Foro da Seção Judiciária de São Paulo.