Um
xerife entra no saloon e pergunta: “E esse aí, é mocinho ou bandido?”.
Em resposta, alguém grita: “Pior: é advogado”. Poderia ser mais uma
piada na vasta coleção de chacotas sobre operadores do Direito (como a
velha “O que é que é: é marrom e fica ótimo no pescoço de um advogado?
Um doberman”), mas por ser publicada no jornal O Globo durante o julgamento da operação “lava jato”, desencadeou uma briga entre jornalistas que deve chegar aos tribunais.
Reprodução
O autor da charge, Chico Caruso, logo após sua publicação, foi
atacado publicamente em duas edições diferentes da mesma revista: Carta Capital.
Seu irmão, o também cartunista Paulo Caruso, já recomendou o caminho do
Judiciário para resolver a questão, com uma ação de danos morais.
Quem chamou para a briga foi o editor especial da Carta Capital,
Mauricio Dias, ao afirmar que Caruso “jogou lama nos advogados e os
rebaixou literalmente à condição de bandidos”. Indo ainda mais fundo,
disse que as caricaturas de Caruso “têm sido parte integrante da linha
golpista adotada hegemonicamente pela maioria maciça da imprensa
brasileira”.
Para dar um ar impessoal ao seu texto, convocou um
doutor em Linguística (o professor da Universidade Federal de Juiz de
Fora, Wedencley Alves) para interpretar um outro desenho de Caruso, na
qual os réus da operação “lava jato” entram nus no Supremo Tribunal
Federal, enquanto os ministros (togados) observam. As lições comezinhas
de Semiótica apontam que são inúmeros os significados possíveis, mas o
artigo de Maurício Dias é cartesiano: para ele, o cartunista quis
humilhar os acusados, com a nudez, típica dos castigos medievais e das
torturas na ditadura militar no Brasil.
Caruso se defendeu: ao
colocar alguém dizendo que ser advogado era pior do que ser mocinho ou
ser bandido, a graça era que hoje em dia não se sabe mais quem é o que.
Quanto à nudez dos acusados, a referência é ainda mais óbvia (exceto
para o texto de Dias e para o professor Wedencley): o rei está nu!
Poderosos empreiteiros, políticos e influentes diretores da Petrobras em
um julgamento acompanhado diariamente.
O cartunista mandou sua reclamação para Mino Carta, diretor de redação da Carta Capital,
dizendo ter sido injustiçado. Como resposta, não recebeu uma mensagem,
mas um editorial na edição desta semana da revista, assinado pelo
próprio Mino, dizendo ser “impossível dialogar nas circunstâncias de
hoje com quem acredita, como Chico Caruso, que o Judiciário aponta uma
nova direção para nossa política”.
ReproduçãoEspelho meu
O diretor da Carta Capital imputa a Caruso a intenção de achincalhar as
duas centenas de advogados que assinaram um manifesto para protestar
contra as irregularidades cometidas na operação “lava jato”. A posição
que, na cabeça de Mino, seria do cartunista — de ignorar as ilegalidades
de uma operação em prol de uma justiça maior — lembra a que ele mesmo
adotou há quase dez anos.
O justiçamento então era feito
alegando-se o necessário combate ao fim dos crimes de colarinho branco. O
réu era o empresário Daniel Dantas e os algozes, os ex-delegados da
Polícia Federal Protógenes Queiroz, Paulo Lacerda e o então juiz federal
Fausto De Sanctis (hoje desembargador), todos reunidos na malfadada
operação satiagraha.
Atualmente, muitos defendem que os
justiceiros têm a missão de acabar com a corrupção, ao prender
empresários e políticos, que saem das celas firmando acordos de delação
premiada para falar da corrupção investigada na Petrobras e em outras
estatais.
Como antes, quem acompanha o caso com os olhos na lei e
na Constituição aponta que a solução para o crime jamais será a
injustiça. Nem contra os acusados, nem contra cartunistas. Na aclamada
democracia, ainda resta a liberdade de expressão, como lembrou a Ordem
dos Advogados do Rio de Janeiro, única entidade a “reclamar” da charge
de Caruso, usando outra charge, assinada por Aliedo: “Os advogados
brasileiros lutaram muito para garantir o direito de defesa e a
liberdade. Inclusive a de se dizer tolices”.
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